“Não gosto do meu genro, mas quero doar meus bens para minha filha. O que posso fazer? Tem como resguardar esses bens depois de irem para as mãos dos meus herdeiros?”. Esta foi a indagação respondida pela advogada Kelly Marinho no quadro Sucessão no Campo que foi ao ar no Giro do Boi desta quinta, 03.
Segundo a consultora especialista em sucessão, é possível proteger o patrimônio após a doação por meio de alguns instrumentos jurídicos. “O autor da herança pode manter incólume nas mãos dos seus herdeiros os bens por ele deixados. Ele pode, ao testar ou mesmo em vida, ao doar, gravá-los com cláusulas, por exemplo, que impeçam que esse bem passe para um terceiro em caso de um fracasso de um eventual casamento de seus filhos, que venham a perder parcelas dos seus bens em detrimento de um divórcio”, ilustrou.
Segundo Marinho, são cinco instrumentos que podem ser utilizados em casos como esses: as cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade, inalienabilidade, reversão e o usufruto. Em casa caso, o produtor tem que saber como utilizá-los para atingir o objetivo de resguardar o patrimônio na família.
“As cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade são cláusulas que as pessoas, quando da realização do seu testamento ou de um ato de liberalidade, como uma doação, por exemplo, ao transferirem sua propriedade a terceiro, impõem condições a fim de que o bem transferido não mais saia do patrimônio dessa pessoa beneficiada, tornando assim impenhorável, incomunicável e ainda inalienável. Essas cláusulas, dependendo da vontade de quem a instituiu, podem ser vitalícias ou temporárias”, apresentou.
INCOMUNICABILIDADE
“Por exemplo, as cláusulas de incomunicabilidade. O testador ou doador afasta expressamente o cônjuge do herdeiro donatário da comunhão de qualquer direito desse bem gravado com essa cláusula. Quando se fala em herança com cláusula, só é aplicável em casos de regime de comunhão universal de bens, pois os demais regimes automaticamente não se comunicam com os cônjuges”.
IMPENHORABILIDADE
“Além disso, temos também as cláusulas de impenhorabilidade, na qual o bem que estiver gravado com esta cláusula estará salvo de toda penhora. Valendo essa proteção também somente aos credores do beneficiário, herdeiro ou donatário”.
E NO CASO DE DÍVIDAS?
A advogada ponderou, entretanto, que o doador ou titular do patrimônio que constituirá a herança pode incorrer em fraude caso não contemple dívidas que possam precisar da venda de bens a serem doados para serem quitadas.
“Entretanto, a proteção decretada dessas cláusulas não prevalece em hipóteses específicas, como, por exemplo, execuções fiscais. Importante ressaltar que a transferência do patrimônio quando já existem dívidas em valores superiores aos bens deixados em nome do devedor, é tanto ineficaz como anulável pela via judicial, devendo ser observados para que não se cometa fraude à execução ou a credores”, alertou.
INALIENABILIDADE
“As cláusulas de inalienabilidade, no entanto, além do impedimento da alienação, abrangem automaticamente tanto a impenhorabilidade quanto a incomunicabilidade. Todavia, a recíproca não é verdadeira. Dessa forma, a imposição autônoma dos gravames de impenhorabilidade e incomunicabilidade, os quais são mais limitados e específicos, não impedem alienação do bem. Contudo, observa-se que não se admite a inalienabilidade perpétua transmitida sucessivamente por direito hereditário, ou seja, essas cláusulas não vão adiante da terceira geração, por exemplo, dos netos e bisnetos”.
Marinho também comentou que tais cláusulas não podem ser estabelecidas após a morte do titular do patrimônio. “A imposição das cláusulas restritivas que só pode ser posta em contratos gratuitos deve ocorrer de próprio ato de liberalidade, doação ou testamento, e nunca posteriormente. E ainda devem constar de forma expressa no título translativo. São requisitos para imposição das cláusulas irrestritivas, que haja um ato de liberalidade, ou seja, que você queira doar esse patrimônio em um testamento ou até mesmo por um contrato de doação. E no caso de testamento, necessita de justa causa para clausular os bens da legítima, ou seja, você precisa dizer o motivo para o qual você está colocando essas imposições na lei”, acrescentou.
REVERSÃO
Segundo Marinho, a reversão serve para os casos em que a pessoa que recebeu a doação ainda em vida venha a falecer antes do dono original do patrimônio. “Outra cláusula de extrema importância é a cláusula de reversão. É aquela que o patriarca irá dispor, no caso do sócio donatário falecer antes do doador, a propriedade dessas cotas retornam à sua titularidade. Se o herdeiro vier a falecer antes do patriarca, as cotas não serão inventariadas e transferidas para a terceira geração da família ou para um cônjuge agregado, mas retornará para a propriedade do patriarca, sem nenhuma óbice ou ônus, podendo mesmo decidir novamente o destino desse patrimônio”.
USUFRUTO
“Já o usufruto é o direito real conferido a alguém para retirar temporariamente da coisa alheia os frutos e utilidades que ela produz sem alterar a sua subsistência, ou seja, o usufrutuário detém poderes para usar e gozar do bem explorando-o economicamente. A partir do momento em que o patriarca efetua a doação das cotas para os herdeiros, automaticamente se instituirá como usufrutuário das cotas sociais e possuirá direitos aos rendimentos que essas cotas vierem a proporcionar, ou seja, terá direito aos seus dividendos no caso, por exemplo, da constituição de uma holding familiar, que haverá distribuição dos lucros aos seus sócios. O usufrutuário também terá resguardados os direitos políticos referentes às cotas doadas, ou seja, não será a vontade do herdeiro que irá prevalecer numa eventual votação, mas sim o voto do patriarca. Por isso é tão necessário que se tenha a cláusula de usufruto, porque a lei também determina que não é possível a doação sem que tenha reservado algo para sua subsistência. Então o patriarca precisa ter resguardados os seus direitos para que ele ainda tenha como garantir a sua subsistência”, concluiu.
Fonte: https://girodoboi.canalrural.com.br/pecuaria/quero-doar-a-fazenda-para-minha-filha-mas-nao-gosto-do-meu-genro-como-proteger-o-patrimonio/